sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Canção do Deserto - parte 2


            Por que me doi morrer? Por que me doi a morte minha e não as dos outros? Eu estou aqui, engolindo areia, a roupa branquíssima, como um lençol branco enrolando meu corpo, me irritando de tão imaculada e indigna de me vestir, guardando o choro da própria morte. Por quê? Olho pro lado e vejo uma irmã de alguém, não a minha que ainda vive. Essa irmã de alguém, tendo dificuldades, segura a minha mão e consegue me irritar mais ainda. Eu tento afastá-la, tento me afastar, ela me segura e a empurro com violência. Ninguém nos vê, nem mesmo quem passa por nós. Ou fingem que não vêem, não se importam. Ou nada mais importa mesmo.
          - Me ajude... – ela pediu e eu vi apenas sua boca por trás daqueles panos todos cobrindo o rosto dela.
            - Ninguém me ajuda! – respondi.
            - Eu sei o que doi em você. – ela disse.
           - Não, você não sabe. – não queria que ela me lembrasse disso, não agora que eu estava me distraindo com o esforço de peregrinar.
      - Ninguém foi, não é? Nem mesmo pra limparem você. Apenas ficaram encarando a cena como se fosse a coisa mais normal do mundo.
            - Não quero parar. – sussurrei, mas ela ouviu perfeitamente.
            - Ninguém quer parar. Eu não quero parar. Me ajude...
            Eu podia ver os olhos gritando por piedade por trás daquela máscara branca. E eu não fiz nada além de não impedi-la de se apoiar em mim. E voltamos a andar com nossos passos lentos.

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