quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Vertigem

Para meu avô muito amado Ivo Alexandre Bosi.

“Vertigem”. Foi o que ela me disse ao se referir sobre a própria noite mal dormida, seguida por uma manhã suspensa pela antecipação da notícia.
“Vertigem”. Ponderei também junto dela, referindo-me ao passar dos minutos que não eram nada além de pura crueldade devido a sua baixa velocidade.
Sentimos juntos a vertigem daquele acontecimento, de mãos dadas, em posição de oração e de partilha. E a realidade caiu com um baque surdo no centro da sala, deixando órfãos nossos corações. Eventualmente, ela me diria que tudo havia acabado. Pergunto-me desde então, passadas mais de 48 horas: haverá tudo acabado mesmo?
O dia mais longo do ano, já regido pelo horário de verão, não perdoou com sua alta temperatura. O recurso ineficaz das lágrimas não suavizava a quentura que se estendia do rosto ao tronco e dali para os membros inferiores, tampouco garantiam conforto diante da saudação vil e irônica da morte.
Não vi seu estado enquanto jazia sereno e, por fim, sem sofrimento no centro daquele salão. Sabia que já não o reconheceria mais. Aquele não era o meu “ele”.
A ironia afiada que percorria a atmosfera, desdenhando de nossas crenças tanto no incorpóreo quanto na ciência, era o suficiente para me ensurdecer diante das palavras vazias e apáticas proferidas pelos visitantes. Nada fazia sentido diante da queda de um grande herói.
Soube na manhã seguinte, apenas, que não havia sido uma queda. Não se escolhe cair.
Por isso, quando me aproximei para vê-lo, reconheci rapidamente, uma última vez (apesar da vertigem maluca que ameaçava me levar para o chão), a vida generosa e amável que havia habitado aquele corpo até horas atrás e entendi. Abaixei-me e proferi em seu ouvido um pedido de perdão, um agradecimento e um incentivo.
“Eu poderia ter feito mais. Nunca esqueceremos tudo o que nos ensinou. Amamos você. Vá para a luz... Pode ir. Não ficaremos magoados”.
Ele abraçou a vida enquanto pôde e abraçou a partida também, dada o tamanho de sua fé, para encontrar-se com aqueles de quem tanto sentia saudade. Nós entenderemos isso um dia, penso eu.
Segurei firme a mão dela para sentirmos a vertigem juntos, não mais sozinhos como na noite anterior, mas como na hora da verdade naquela sala. Ficaremos por um tempo de mãos dadas, pois o sofrimento é de quem fica. Ela sem ele. Nós sem ele.
Mais de 48 horas depois e tenho certeza que nada acabou. Os olhos dele, azuis límpidos como o mar mais lindo que já vi, reproduzidos na bisneta de quase três anos; seu carinho, cuidado, amor e dedicação pela família reproduzidos nos filhos vivos; seu coração de ouro e sua coragem de enfrentar a vida e dar a cara por aqueles que ama reproduzidos nos netos; e isso é só o começo...
Talvez isso seja viver para sempre.

A vida que se finda só não é maior do que o sentimento que permanece.
Seres muito amados são imortais.