terça-feira, 23 de setembro de 2014

Away

- Você está bem?
Ele me perguntou e eu senti uma raiva tremenda crescer dentro de mim. Senti-me num confronto, no meio duma arena, de armadura e espada na mão, enquanto milhares gritavam o meu ou o nome dele. Morro eu, ou morre ele.
- Claro que estou.
Escudo em pé. Foi o que fiz diante da ameaça da espada do inimigo. Quem ele pensa que é pra me perguntar tamanha hipocrisia? Se eu estou bem? CLARO QUE ESTOU BEM.
- Mesmo mesmo?
A voz dele era carinhosa enquanto se sentava no sofá do escritório. Depois de cinco dias sem nos vermos, parecia uma eternidade pra mim que se desdobrava em aclamações de vitória e uma saudade moribunda.
- Mesmo mesmo.
Abaixei o escudo. Como se eu quisesse que ele visse meus olhos marejados de lágrimas por trás da armadura. Por que ele não vem e me abraça e diz que cuidará de mim?
- Eu ontem fui ao bar com a Angélica.
Não perguntei nada. Não quero saber de sua vida. Não quero saber de sua vivência, de seus amigos, de seu amor existente e ausente. Não quero saber o que te fez feliz. Não quero saber o que te faz feliz ou o que te adoece. Quero que você desapareça!
- E como foi?
Foi divertido, é claro. Foi engraçado, ele bebeu e riu e foi pra casa com o idiota da moto. Eu estava dormindo tranquilamente nos meus dois colchões de solteiro, um sobre o outro, embaixo da janela do 15º andar. Fazia um frio do caralho. Sabendo que sonharia com ele. Meu inconsciente anda me traindo de uma forma ridícula...
- Foi engraçado. A gente riu bastante. Depois fui pra casa.
Ele toma cuidado pra não me dizer. Odeio quando ele toma cuidado. Odeio quando ele se detém, pensando que irá me machucar. Por acaso sou feito de açúcar?
- Eu nem fiz nada ontem.
Foi o que eu disse. Porque não quero compartilhar minha vida. Só que eu fiz muita coisa ontem. Bebi meu vinho, comi meu queijo, assisti dois filmes de diretores renomados que eu precisava assistir (não gostei de nenhum). Joguei algum jogo de gráficos ruins e venci. Fumei os últimos cigarros da carteira enquanto olhava o céu e me perguntava. E te odiei muito.
- O que você vai fazer hoje?
Eu vou me afogar na garrafa de uísque e não quero que ninguém me veja. Quero estar bem longe de você, dos seus planos, das suas felicidades, do seu sorriso, do seu cabelo, do seu cheiro. Bem longe do seu futuro. Bem longe da sua amizade. Eu não quero ser amigo de ninguém. Não preciso da sua amizade. Não quero nada de você. Nada.
- Preciso dormir cedo. Amanhã tenho um trabalho na faculdade.
Amanhã acordo às três da tarde. Depois de curtir minha vida solitária no meu apartamento. Moro sozinho, me proporciono alguns luxos.
- Que pena. Quem sabe, final de semana que vem...
Sua falta de tato, sua insensibilidade me matam! Olha pra mim! Olha bem pra mim! Olha bem pra minha cara, para os meus gestos! Minhas sobrancelhas oblíquas, minha boca contrariada! Não faz bem nada disso! Eu te dei uma passagem só de ida para outras terras! Embarque no trem e vá! Suma! Não quero mais fingir. Essa máscara fácil já me cansou! Deixa-me no escritório, vá fazer sua função e nunca mais entre aqui! Aliás, nunca mais apareça na minha vida! É só isso que eu quero! Já que você não pode me dar o que eu gostaria, suma! Não quero ser amigo! Quero ser lembrança boa! Quero ficar no passado! Não quero presente...
- Podemos combinar semana que vem.
- Vou ali pegar um copo de café. Já venho.
Ele foi e voltou. E ficamos horas conversando e rindo e não fizemos nosso trabalho. É tão bom estarmos juntos. É o sonho materializado com uma dose de ironia que não me deixa seguir adiante. Talvez, se eu falasse... Mas, não! Ele tem alguém. Alguém que o compreende melhor do que eu. Alguém que fornece melhores práticas sexuais do que eu. Alguém que lhe apetece melhor a visão do que eu.
- Eu te amo.
- O quê?
Ele me olhou assustado, quase apagando a luz do escritório para irmos embora.
- Eu amo o jeito com que você fala das coisas.
Santa tangente.
Deixa pra lá. O caminho da dor só vai até algum ponto. Minha armadura cederá em algum momento, a espada dele irá me perfurar ainda mais o coração. Alguém vai morrer.
No amor não correspondido, alguém sempre morre.  Serei eu?

Distância. Atenda-me. Por favor. Suma.
Pra que eu possa viver.