terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Cru

Pele
Fina e delicada
Dura e escamosa
Irrompe de ti vermelhos vasos
Canais frágeis
De nossa pequinez.
A nudez por baixo dos panos
Por baixo dos poros
A fragilidade que ela expõe
Um pedaço grosseiro de carne
Sem romances ou pausas
Sem lágrimas ou mágoas
Somente carne e canais vermelhos e frágeis.
Quando vejo tua face em foto
Quando vejo tua face viva
Sinto amor. Sinto rancor. Sinto muito mais do que consigo nomear.
Ora, quando vejo sua pele por baixo
Quando vejo a fragilidade dos ossos quebrados
Dos olhos fundos
E se sua respiração indica o abismo
Não te vejo mais.
Não te sofro mais.
Desconheço-te.
Desconheço pedaços incompletos e desconexos.
Ouço teu eco, embora não possa mais senti-la.
Volte a si, sare!
Para que eu possa tê-la de volta, e não apenas o casulo
Envolto de pele
Que chamamos de corpo.

Mente
Tudo que sou, já fui
Tudo que fui, não é
E o que serei,
Ai de mim, o que seria?
Se não houvesse guardado
Nos recôncavos mais esquecidos
Nas reentrâncias mais pertinentes
Não haveria um eu para me ser.
Meu corpo escorre memória.
Se abres meu corpo, não podes ver.
Mas se tens a coragem de me ler
De entrar em meus olhos e perceber
Verás que tudo que sou, já fui.
Tudo que fui, não é e o que eu serei...
Ah, mas, disso nunca se sabe.
Se existe alma, lá estaria?
No labirinto sinuoso da minha inteligência?
Pois é lá que se descobre o amor
Lá se descobre quem sou.
Existo lá, porque há um lugar para me caber.
E se me não me falha a memória,
Já me amei antes, não é?
Minha consciência determina.
Meu ser se ajusta.
Existo, pois sei. Pois acredito.
Durmo com medo de perder o domínio
Da faculdade do pensar.
Pois, sem saber que estou aqui,
Já não existo mais.

Coração
Desabo em mim mesmo, oh graça de ser quem sou
Choro e rio
Canto e espreguiço
Me contento de sorrir
Me alimento de viver
Me contamino de amar
Mas também
Reluto em aceitar
Aceito desistir
Começo a pensar
Que meu coração só bate as horas.
Na quina da garganta.
Que só bate os compassos errados
Na bolota entupida.
Só há sentido em ser se há sentimento vindo.
Sentimento passando.
Sentimento correndo.
Meu olhar, porta dos meus segredos da consciência
Meu crânio, obra da evolução, caixa de segredos e protetora
Meu olhar... ah, meu olhar.
Ele me entrega quando te vê.
Tudo em mim se dilata.
O mundo todo se dilata.
E eu só quero sentir, sem nada mais ver.
E tudo explodir, sem nada mais querer.
Mas o coração
Músculo indiscreto e presunçoso
Oras, quem mandou me trair?
Ou foi minha mente? Ou não há explicação?

Alma
Se puderes, me toque aqui.
Se puderes, me ame aqui.
Pois há um eu incorpóreo que percorre o éter
E que se vê num palco
Se vê num lance de escadas
Se vê num parapeito, pronto a pular sem proteção.
E grita loucamente pra ser amado e tocado aqui.
Há algo que independe de mim.
Há algo que sobrevive sem meu querer.
E que reluta e que compõe.
E que escreve.
Que me resume bem.
Não em palavras.
Mas em cores,
Talvez acordes,
Certeza que tem risadas e lágrimas.
Há um eu incorpóreo que independe de mim e paira suavemente pelo éter.
E que sou eu no mais puro estado.
Veja no espelho, de olhos fechados,
Ouça no travesseiro o seu eu de boca muda.
Ouça no silêncio o que ele diz.
E, sim, saberás sobre teu eu incorpóreo que independe de ti e paira suavemente pelo éter.
Eu, vagabundo que sou,
Sei bem pouco. Sei só que
Mente, coração e pele.
Preciso deles para domá-lo.
E, não, simplesmente,

Sumir.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Os 13 porquês

Eu não vou deixar 13 fitas contando as coisas.
E nem consigo endereçar a minha própria salvação.
Deus? Eu mesmo? A estrutura psico-emocional da minha família?

Meus amigos?

Meus amigos...
Meus amigos.

Eu não vou deixar 13 fitas porque aquela época mais confusa já passou e eu saí de lá.
Mas eu tinha motivos.
Eu tinha motivos.
Ah, se eu tinha.
Mais de 13.

Eu tinha motivos de sobra para me odiar. Para não me reconhecer. Para não me sentir amado e nem me amar.
Eu tinha motivos de sobra, vozes de sobra ecoando nos meus ouvidos ao chegar em casa e antes de dormir.
Eu tinha o deboche e o desrespeito,
o menosprezo.
Mas tinha um certo intelecto. Talvez nem de todo bom.
Não me levem a mal, todos tem, mas eu percebi que, com o meu jeitinho, eu conseguia outras coisas mais.

A arrogância que me salvou.
O puxa-saquismo me salvou.
E, nessa salvação, quase me coloquei no lado de lá, no lado dos que fazem os outros chorarem.

mas, não!
quase 10 anos depois e eu to aqui
vivo e bem amado
gente, me amo bastante, mesmo tendo meus dias difíceis, mas aí eu paro e olho meu sorriso e aí eu penso "puts! sorrisão lindo da porra!"
e mais do que isso
eu tento ser um cara massa, que tenta ser um cara bom para os outros
e está ok um homem, um menino, um rapaz ter essas inseguranças quanto a aparência
quem falou que não é compatível com a masculinidade?
e está ok falar sobre isso com alguém e está ok ouvir isso de um homem amigo seu.
E se tem uma coisa que eu venho entendendo

Homens
está ok ser o que você é
está ok, mais do que bem, ter sentimentos
ser tomado pelas emoções
não supervalorizar o sexo

Não seja o cara que só vai consumir corpos
Achando que é vitória nem considerar o outro
Sexo é bom quando é vivido na plenitude
quando as permissões vêm com um desejo latente
e se multiplicam na troca verdadeira,
no entendimento dos corpos e dos desejos particulares
mesmo que seja o interior de apenas uma madrugada
e nada mais.
Somar apenas por somar... não tá com nada.
uma lista furada.

Eu sinto que tive mais de 13 razões.
Graças a muitas forças, eu estou aqui hoje.
Seja gentil, porra.
Gentil com quem você não conhece.
Entenda que você não entende o que o outro sente.
Seja educado, prestativo, gentil e abrace.
Oh, meu Deus, abrace o outro.
Ame o outro, sempre que possível.

O resgate vem em muitos detalhes.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Fabuloso I

Talvez
Se tivessem me apresentado a possibilidade
Se o conceito tivesse vindo depois da liberdade
Hoje
Talvez hoje eu fosse fabuloso!
Talvez eu tivesse estourado no seio dos pampas
Ou fosse menos aprumado e mais jocoso
Sendo mais fiel ao singelo desejo da estampa
Agora esticada em minha camiseta
Eu poderia dançar sem articulações
Os ossos girando nos eixos
Explodindo em vibrações de cores e amores
Poderia até ser perfeito
Se o conceito tivesse vindo depois
Eu não precisaria me dar um nome

Poderia desrotular pra cada vez mais lacrar
E me ser pra sempre o que me sentiria em cada hoje!