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segunda-feira, 11 de março de 2024

Alguém [26]

Alguém cujos olhos cantam
Alguém cujo sorriso dança
Alguém cujas mãos excitam

Alguém que é fogo doce de se deixar queimar.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O poema que Ella me contou [6]

O hoje é um fim.
Determinante fim. Inexplicável fim. Inevitável fim. Eu e Elle. Fim.
Quando eu sarar, talvez eu ria disso tudo. Fui paciente e paciente agora sou dessa minha doença rara.
Quando nossas peles se aproximaram, os lábios vieram juntos como que por acaso, uma mão na nuca dElle e uma na minha nuca, mãos imaginárias nos empurrando para o precipício só pra ver o que viria depois do salto. Quando a gente se tocou mais pra baixo não foi acaso. Demos um nome ao que veio em seguida, porque tomamos as rédeas do desejo: chamamos de destino.

O destino nos uniu. Algo maior. Projeto inexplicável das probabilidades absurdas que permeiam a vida. Vamos mergulhar mais fundo só pra ver o que vai dar?
O que começou confuso se tornou família.
Eu ganhei uma família com Elle. Filhos. Netos. Bisnetos. Tios. Avós. Pai, mãe. Até mesmo irmãos. Vínculos reais e sinceros. Laços frágeis que se fortaleceram no tempo e nas intempéries.
O que eu posso dizer de um fim inevitável, por tanto tempo adiado, que eu não queria que acontecesse?

Por muito tempo, inimigos da eutanásia.
E foi num último suspiro por entre lágrimas e gritos e desespero e medo que eu desliguei os aparelhos.

Elle ainda é tudo.
Muito maior do que tudo que você já leu. Faz os outros poemas que te mandei virarem pó. Serem apenas poesia. O que eu quero dizer com esta carta é que eu vivi uma vida inteira dentro da minha vida.

Vivo absorta em pensamentos de nossos momentos. Ainda posso tocá-los, cheirá-los, me aquecer neles, dormir com eles.
Tivemos uma casa modesta, com um cachorro, uma flor na varanda, um carro, uma piscina, uma biblioteca cheia de romances e uma estante repleta de filmes. Casamos no começo de Março sob uma garoa fina, sentindo o calor subindo do asfalto. Nos casamos num palco. Escondidos. Elle dormia no meu peito para que eu o protegesse de tudo aquilo que ele tinha medo e eu o segurava para que não fugisse. Como se ele fosse capaz de fugir. Ele nunca fugiu.
Eu fugi uma vez. Mas voltei.

Travamos uma guerra terrível por muito tempo. Fizemos as pazes e continuamos em guerra. Viver com Elle parecia uma luta interminável, como passar o dia remando e, na hora de dormir, ter que remar mais pra chegar em lugar nenhum. Num certo dia, senti falta de propósito. Fui dormir com uma pulga atrás da orelha. E estava certa.

Mas não quero me prender aos pontos negativos. Eu só queria compartilhar com você que eu acreditei em algo real, por mais incrível que possa parecer, já que você agora me conhece tão bem. Mais que isso! Vivi algo real. Tenho fotos pra te mostrar. Posso te enviar, se você quiser.

O que eu vou fazer agora com nossos filhos, depois de tantos anos? Eles não ficarão comigo, porque eu não paro. Não ficarão com Elle, porque elle não leva jeito. Ficarão soltos? Posso deixá-los dormindo no quarto, trancados, em sono profundo e sem sonhos enquanto esperam seus pais ficarem prontos para resgatá-los. 
Eu acho que será bem assim. Nós ficaremos prontos e voltaremos. Bom... Talvez, não sei.
O que eu to falando?
Não voltaremos. Aquelas risadas na madrugada não voltarão mais. O amor feito embaixo das cobertas naquele quarto pequeno ou as mãos que se uniam na hora da refeição ou mesmo o abraço aperto a cada despedida e a cada chegada... Essas coisas especiais... Foram embora. Foram embora com o respeito tão árduo de se encontrar, com a intimidade acolhedora... Com nossas cartas, nossas canções que falavam de olhos, de carvão...
Quando elle sorria eu via um Elle inocente. Que ninguém nunca verá. Esse Elle é um lado dElle que ninguém mais conhecerá. Uma face só minha. Que só se revela sob o meu olhar atencioso.

Acho que aguardarei, sem chorar, enquanto me declaro para sempre fiel a elle. Fiel ao nosso amor, as nossas escapadas, as nossas guerras travadas, as nossas viagens, aos nossos abraços, aos nossos hábitos... Serei para sempre fiel, mesmo que eu esteja sozinha.
Quando você for dormir, não chore. Não especule meus sonhos. Eles são meus. Meus e dElle. Eu não vou dormir ainda. Não hoje, nem amanhã. Ficarei de vigia. Orando. Esperando algo que não sei o que é. Sentindo falta de algo que não sei o que é. Sendo fiel.

Passado e futuro se confundem enquanto escrevo. Como se eu ainda esperasse.
Você já sabe de todos agora. Eu voltarei a te escrever quando houver algo sobre um novo Elle pra te contar. Por enquanto, apenas o silêncio.

Eu o amei de verdade, sabe?
Muito.

domingo, 28 de julho de 2013

O poema que Ella me contou [5]

Tive um tempo. Escondida debaixo da escada. Dentro do guarda-roupa. No porta-malas. Escondida. Sufocada. Mas tive um tempo para poder te escrever mais uma carta.

Elle anunciou que chegaria. Deixou tudo pronto. Preparou-me inteira, como um médico que prepara um paciente para a cirurgia. Fui preparada com precisão cirúrgica. Pois o que ele expurgaria de mim mais tarde...
Elle costumava cantar bastante, talvez tenha sido cantor numa vida passada. Ele entrou no recinto cantando sobre como não viveria como alguém que só espera um novo amor, pois, enfatizava ele, havia outras coisas no caminho pelo qual seguia. E ele sempre estava procurando. Procurava algum carro novo, alguma foto antiga, alguma lembrança reprimida de sofrimento familiar, alguém que ocupasse seus lugares... Ele se resumia em procura. Nunca em encontro. Sempre em procura.
E suas procuras, tão dispensáveis, o tinham trazido até ali. E eu o vi pela primeira vez. Claro, soube de tudo isso depois apenas. Não sustentamos olhar. Seria arriscado demais. Eu, que nunca mais seria completa, não queria nem sequer pensar na possibilidade de repousar em seu dorso. Mas era só o que eu conseguia pensar. Repousar junto dele.
Quando o conheci melhor, foi como terminar um quebra-cabeça de mais de mil peças. Dava certo. Completavam-se as peças. Como engrenagens. Como numa música de Chico Buarque. Como uma taça de vinho no frio de Julho. E eu só queria saber em qual rua a minha vida encostaria na dele. Uma promessa esquecida. Ele era uma promessa adormecida. Uma promessa quente, regada a álcool, música... Aventura.
Eu fiquei confusa por muito tempo. E confundi todo mundo ao meu redor. Até que o universo conspirou para que pudéssemos experimentar mais de perto o corpo um do outro. E foi mágico. Erótico. Eu me rendi. Pus as mãos pra cima e simplesmente me entreguei com a alma toda. Fundimo-nos num abraço apertado e o mundo parou por várias horas. E quando nos olhamos eu não sabia o que falar. Logo eu, que treinava tantas frases de efeito no espelho para quando esse momento chegasse, fiquei sem palavras. E talvez eu nunca mais voltasse a falar. Ou a amar novamente. Pois estava embriagada por aqueles olhos de James Dean. E ele emudeceu também diante de mim. Ficamos mudos, contemplando a promessa gritante refletida no olhar do outro.
Estivemos juntos por um bom tempo depois daquilo.
Hora de testar a fortaleza tão minuciosa que eu tinha erguido diante de mim.
Bom, o fracasso foi épico. De nada adiantaram minhas defesas. Eu voltei a ser menina. Adolescente. Passional. Fui adoecendo. Querendo demais. Esperando demais. Com tanta urgência que ficava sem ar só de olhar no espelho. De tirar uma foto. De viver mais. Eu não cabia em mim. E por quê? O que ele fazia de tão especial? Por que era homem? Ou por que era incompleto? Não havia nada de diferente nele! Nada!
Ele nem ao menos estava comigo. Estava. Mas não estava.
Coitado, ele tentava.
Mas não estava.
Agora, enquanto escrevo pra você, eu sinto pena de todo aquele sofrimento dele. De toda aquela incompletude que ele vivia. Ele nunca me fez mal. Ele apenas tentava. Eu que fazia mal a mim mesmo. E tudo que ele fez foi pouco, porque eu estava apavorada. Ele me transformou nesse monstro devorador, abusivo, um monstro enlouquecido, egoísta. Eu o cercava no escuro, o pressionava no escuro. Queria respostas. Queria promessas. Que nunca vieram. Não viriam mesmo. Ele me dilacerou. Ele deixou todas minhas vísceras expostas na mesa, no chão, na praça. Ele me virou do avesso. Eu me perdi completamente naqueles meses. E só porque não o alcançava. Não o resgatava. Não importava o que fizesse.
Sabe? Há algumas pessoas que são quebradas. Elle era quebrado. Eu pude ver de perto como é uma pessoa dessas e é horrível. A vida se perdendo e escorrendo dos olhos, que sempre estão distantes. É muito triste de se ver. E foi o amor que o deixou assim. A promessa dolorosa e incompreensível, que desafia a inteligência e nos coloca diante de Deus e do Diabo. O amor que também não permaneceu ao seu lado, que também o destruiu, o consumiu e sumiu. E ele nunca mais se ergueria de novo.
O amor.
Não sei que nome dar. O amor que eu senti por ele me destruiu por inteira. Quando ele partiu correndo sem olhar pra trás, eu estava em cacos pela rua íngreme. Ninguém me juntou. Não quis que ninguém me tocasse. Eu mesma me recompus. E evoluí. E aprendi. Tive ódio depois. Por muito tempo cultivei demônios como numa plantação, num beiral de janela enfeitando meus olhos e tudo que eu via. Mas evoluí. Compreendo-o como uma mãe agora. Mas, mais do que isso. Foi ele quem me ensinou que eu sou muito mais importante do que qualquer relação que eu terei na vida. Mesmo assim, sinto que algo ele quebrou em mim também. Desde que ele se foi, há algo que nunca mais voltou. Não sei dizer o que é.
Foi ele que me deu a ideia de escrever cartas.
Sinto saudade de sua presença na madrugada. Sempre quando é madrugada. Sempre quando eu tenho fome. Sempre quando alguém canta algo que ele cantava. Sempre quando penso em me render. Em erguer os braços e me entregar. Quando bebo uísque. Quando tenho vontade, mas tenho medo. Quando sou imatura. Quando sou criança. Quando sou adulta. Quando sofro.
Mas nunca sei disso.
Quando tudo se findou, ele dizia que o que tínhamos era real.

Nunca saberei essa resposta.
Eu não sei o que sentir. Talvez essa seja a conclusão dessa carta. O desfecho dessa história mal contada que ainda tem pontas soltas. Sei que ele me fez crescer.

Só isso.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

O poema que Ella me contou [4]


Sabe,
Dor que me modela.
Encanta-me visualizada no espelho.
Refletida em tudo que brilha.
Dor.
Crescimento zero. Pausa no tempo.
START.

Egoísta que sou para tomar seu tempo e ficar te enviando estas cartas com minhas histórias que não te acrescentam nada e que não promovem uma reflexão crítica sobre o mundo nem nos fará heróis salvadores da pátria...
Mas você ficou parado naquele banco de praça e me ouviu pela primeira vez. Como um médico numa cirurgia, você retirou o câncer de mim e me fez falar. Fez eu abrir meu peito para o mundo, minhas vísceras rolando na grama e eu desatando a falar e chorar e a tremer e não querer mais nada... Até que eu sufocasse com alguma vírgula e pedisse água e continuasse chorando porque não supero, porque não cresço, porque tenho medo, porque sou sozinha porque quero... E eu já não sei mais de nada.
Sou um poliedro e em cada uma de minhas faces está estampada a história que tive com um deles.
Sabe o que eu quero?
Eu quero um Elle totalmente novo. Virgem, jovem, inocente e que não tenha vivido nada, que não tenha passado que ameace irromper sem aviso de algum baú no fundo do guarda-roupa. Quero um Elle que ainda acredite, que ainda possa se sufocar com o coração acelerado ao dobrar a esquina e me ver. Que aprenda na teoria, sem precisar sofrer com a prática e que possa, genuinamente, preencher os vazios de minha alma.

Eu ainda tenho mais coisa pra contar.
Espero que tenha paciência.
Mas, agora não dá.
Elle está chegando...

terça-feira, 2 de abril de 2013

O poema que Ella me contou [3]


Preciso dedicar esta carta a outro muito especial que esqueci de mencionar anteriormente.
Talvez porque eu esteja esquecendo facilmente das coisas hoje em dia.
Éramos irmãos pássaros. Digo isso porque conhecemos a liberdade juntos. Claro que era apenas um convívio cercado de incertezas e despreocupação, talvez tenha sido uma prévia do que poderíamos conquistar depois. Sem poetizar nada, aquilo era apenas vida.
Eu não o vejo há muito tempo.
Mas é engraçado como as coisas terminam...
Eu o deixei. Ele ficou me esperando debaixo da chuva, no meio da rua, ensopado e desolado. Eu me diverti tanto com ele e sabia que tudo tinha sido apenas isso, logo, jamais pensei que poderia voltar. Eu tinha recebido uma oferta de vida melhor e fui.
Ele me esperou por muito tempo.
Pegou gripe e se curou muitas vezes debaixo daquela chuva.
Não sei por que, mas ele é o único de quem gostaria de ter uma lembrança palpável, um suvenir com seu cheiro.
A madrugada me lembra dele e eu incorporo certo espírito jovem e audacioso todas as vezes que me lembro das nossas escapulidas.
Ele foi meu e eu dele. Naquela brincadeira, não fizemos planos. Quem faz planos nessa idade?
Ele.
Ele fez planos.
Mas eu nunca soube.
Ele nunca me disse.
Ele dizia pouco. Tinha a sensibilidade apurada para me ouvir falar por horas a fio e não me interromper. Virtude que seria extremamente saudável pra mim hoje. Mas isso o impediu de compartilhar comigo o que ele tanto queria.
Isso soa tanto como algo que EU teria feito por outras pessoas...
Teria sido ele um prólogo do que eu me tornaria? Digo, depois de aprender um pouco de decência e empatia para com meus companheiros?
O fato é que eu nunca soube seus sonhos, seus planos, seus desejos. Estava ocupada, curiosa, beijando-lhe o rosto e desejando congelar o tempo.
Então, quando eu parti, ele optou por emudecer completamente. Voltei uma vez, não por ele, mas ele me procurou em silêncio, querendo que eu lesse as entrelinhas entre uma piscada e outra, entre um suspiro e outro. Eu, analfabeta de sentimentos, não percebi nada.
Ah, meu Deus... Tanto que eu tinha que aprender...
Soube de muita coisa depois. Coisas que me enchem os olhos de lágrimas. Coisas que ele falava sobre mim, queria ter comigo, sonhava para nós dois... Coisas que parecem que foram ditas por mim. Sentimentos que parecem muito com os meus. Angústias, infelicidades, o desespero por ter que lidar com a minha distância...
Eu sei que não teria feito diferença se ele tivesse me dito naquela época. Eu era analfabeta, como já disse antes. E insensível. Eu era jovem.
Soube recentemente que ele teve um destino parecido com o meu. E que não andamos muito bem. Se ele lesse as cartas que escrevo pra você, talvez ele também confundisse meus sentimentos como sendo os seus. Éramos tão parecidos. Não consigo não sorrir e não sentir sua falta.

sábado, 23 de março de 2013

O poema que Ella me contou [2]

Eu me sentia plena.
Eu me estendia pela flora, era a natureza. Era a mãe do planeta.
Eu sentia que poderia ter tudo.
Nós nos conhecíamos desde sempre. Desde berço. Destinados.
Talvez eu tivesse olhado para ele ao me visitar ainda pequeno e talvez eu tenha agarrado sua mão bem forte e dado uma mordida para que ele se lembrasse pra sempre. E ficaria aquela cicatriz que era eu. Como a que ele, anos depois, deixou em mim.
Falo de outro Elle.
Esse foi o pioneiro, desbravador inesquecível dos cantos mais remotos do meu coração. Apareceu menino, um prelúdio para o homem que eu pensei que seria. E que talvez ainda acabe se tornando. Apesar de não ser esse homem agora.
Mostrou-me uma coisa que dificilmente se repetiu depois: segurança. Ele me amarrou como numa brincadeira de índios e me protegeu. Prensou-me na parede e disse me compreender de uma forma que nem eu mesmo compreendia.
Eu provei pela primeira vez a fantasia.
E fui vítima da imaginação.
Vivemos anos laçando desejos e os realizando na ponta da caneta mágica. Eu ria da realidade com um desdém macabro e altamente contagioso. Virei uma lagarta num casulo que não evoluía.
Será que ele mesmo sabia?
Será que ele sabia de todo esse universo paralelo? Porque, às vezes, ele parecia cruzar a linha junto comigo para ser um observador mais que curioso da realidade fantástica da minha cabeça.
Quando, porém, ele percebeu estar comprometido demais com essa (des)ilusão, ele partiu. Partiu porque tudo aquilo era uma ameaça. Partiu de tudo. Deu adeus, inclusive, a si mesmo. Deixou sua tribo arrancar seus olhos e partiu. Estava decidido.
E não se tornou aquele ser humano incrível que prometia tanto ser.
Foi ser ovelha burra.
Eu escrevi uma carta e entreguei a ele anos atrás.
“Não te olharei mais. Não te cumprimentarei mais. Porque me lembrar de você dói. Porque cheirar você dói. Porque rir de novo dói. Portanto, quero que vá mesmo. Eu estou escolhendo isso. Eu te deixei ir. Saiba que, se eu ainda quisesse, você seria meu”.
Mas ele nunca leu. Como leria se já estava cego?
O reino encantando se desfez há muito tempo, como um castelo de areia levado pelo mar. Não estou mais na flora toda. Eu nunca mais tive tudo.

quinta-feira, 21 de março de 2013

O poema que Ella me contou [1]


Eu fui até ele.
Abri os braços e, simplesmente, me rendi.
Disse:


“Estou muito grata por você ter entrado em minha vida. Num dia épico, divisor de águas. Ter sido a cadeira ocupada mais distante de mim. E por não ter dado liberdade de aproximação logo de início. E por me fazer acreditar que você não era uma pessoa agradável, tolerante, que passasse longe de ser especial. Tudo para que eu pudesse desmistificá-lo depois.
Grata por você nunca abrir a boca pra puxar conversa, por jogar esse jogo da curiosidade comigo e por se desdobrar em sorrisos inexplicavelmente cativantes e imprevisíveis a manhã toda.
Obrigada por não ter feito diferença nenhuma no começo.
E ter sido essencial nesse final.
Sabia que eu vivo descontente com a humanidade? Perdendo e recuperando minha fé como se estivesse experimentando roupas...
E sabia que você me fez acreditar um pouquinho mais nas pessoas? Só por ser a exceção da regra. Eu adoro as pessoas que são a exceção da regra. Parece que você vai caminhando e ensinando, sem compromisso algum, a sermos pessoas melhores.
Obrigada por me deixar compreender um pouquinho de sua história.
Obrigada pelo cheiro, pelos bombons, indicações de filmes, risadas, goles de cerveja, de vodka, pelos momentos inexplicáveis, pelas minhas dúvidas sobre você e pelas minhas certezas sobre você,
Por ser diferente, por ser único, pela animação, pela despreocupação, por ser algo que nem sei dizer, por me fazer perder o fôlego, o tempo, por me fazer morrer te esperando, me distrair, me fazer ser boba com as palavras e me perder ao escrever e não sei mais o que dizer.
Grata por você nunca ter feito nada e, pela primeira vez, eu ter entendido que me apaixonei por alguém que não fez nada, que não é inventado, que simplesmente foi tudo aquilo que é.
Por me fazer perceber que ainda há amor em mim.
Eu vou sentir tanto a sua falta. Sem lágrimas. Vai ser um sentimento bom, assim, pra sempre.”


Afastei-me daquele abraço que, na realidade, foi mudo. Porque eu não conseguiria dizer tudo isso. Vou levar as palavras que eu não disse pra casa e dormir com elas. Talvez amanhã elas amanheçam mortas.
E nos despedimos, sem beijinho no rosto pra não ser tão inconveniente. Ele resmungou alguma coisa como “tchau” e usou um adjetivo nada bonito pra me descrever. Eu ri.
Ele virou a esquina e eu ainda sorria.
Os anos se passaram e eu ainda sorria.
E enquanto escrevo esse poema, estou sorrindo.
Sem dores ou pesadelos.