domingo, 21 de fevereiro de 2016

Quando fui chuva

Estive eu, por muito tempo, acostumado a chorar pelas ausências, pelas faltas, pela minha própria incompletude, pela falta de amor (principalmente o próprio), pela indecisão e pela confusão de ser e existir no universo artificial que me foi dado sem minha solicitação. Estive por muito tempo olhando pra trás, pois olhar pra frente e não ver nada era muito dolorido. E olhar pra trás, o eco daquilo que fomos, que costumávamos ser, aquele eco me deixava deprimido. Era a intangibilidade de um sonho de criança reverberando nos meus ossos de adulto. Preferia trancar tudo no meu quarto, repousar minha cabeça no travesseiro e me deixar ir... Pra não precisar lidar com nada que escapasse das minhas mãos.
Ontem eu chorei. Ouvindo a letra que dizia assim: “E mesmo que em ti me perca nunca mais serei aquela que se fez seca vendo a vida passar pela janela”. E eu me senti repleto de chuva, cheio de vazios impreenchíveis, mas aos quais sou grato.
Eu, acostumado a chorar pelas faltas, passei a chorar pelos tantos momentos queridos dos últimos dias. Feliz por dividir a moradia física com a minha melhor amiga e feliz pela casa que é meu coração estar ocupado no momento com um amor novinho em folha e que me faz tão bem, que me abraça tão forte, que olha fundo nos meus olhos e me diz que eu não preciso mais chorar, pois agora temos um ao outro. Um amor novinho em folha que me acalenta e se faz presente no meu mundinho particular. Um amor que me envolve e que me faz querer trancar a tristeza, já moribunda, do lado de fora de casa.
Os tantos cafés que faço por dia. E a companhia para bebê-lo. O cheiro subindo pelo apartamento e as discussões sobre a vida e sobre trabalho. Um pequeno universo de felicidade fragmentada numa distorção da realidade. Não pensei que chegaria aqui.
Pelos tantos domingos com os amigos, num ninho de carinho e respeito, dormindo e rindo. E acontecendo de forma simples e verdadeira. Que surpresa essa minha vida!
Não me entenda mal, não resolvi minhas incompletudes. Há muito ainda que quero fazer e ter, que sonho e almejo. Muita coisa mesmo. E eu já entendi também que eu não vou parar de chorar tão cedo. Eu preciso encher meu baldinho, preciso compor, preciso escrever, preciso que a existência me transpasse com ferocidade para me sentir mais vivo e poder fazer o que amo. Mas não preciso me maltratar nesse processo sensível. Dá pra ser triste e feliz na mesma leva de sentimentos. Porém, talvez, seja a hora de parar de chorar pelas ausências.
O que me aconteceu ontem foi uma abrupta compreensão sobre a minha própria maturidade. Um reconhecimento de que não me encontro mais naquele estado vegetativo de inquietude sentimental. Há mais estabilidade aqui onde estou. Como se eu tivesse parado o fluxo da natureza e emergido do fundo do mar para tomar ar e poder voltar a mergulhar. Nesse pequeno espaço de tempo foi que eu compreendi tudo isso.
Eu passei por um luto familiar e pela perda de muita coisa que eu amava recentemente. Mas não sou produto de uma lição punitiva da vida, não PRECISEI passar por isso pra sentir o que sinto hoje. As coisas se transformaram naturalmente em mim. Eu posso sentir isso. E renovei meu apreço pela família. Uma nova onda de empatia que se instalou em mim e me disse que ficará tudo bem, que eu posso me doar mais sem esperar tanto em troca.
E talvez eu esteja feliz. E não com medo de tudo acabar. Mas feliz. Grato. Genuinamente. E me estranhei nessa nova roupa, não estava habituado. E agora ela ta me caindo tão bem.

Então, parei o carro, liguei pra minha amiga e, chorando, cantei: “Nada do que fui me veste agora, sou toda gota que escorre livre pelo rosto...”.