sábado, 23 de março de 2013

O poema que Ella me contou [2]

Eu me sentia plena.
Eu me estendia pela flora, era a natureza. Era a mãe do planeta.
Eu sentia que poderia ter tudo.
Nós nos conhecíamos desde sempre. Desde berço. Destinados.
Talvez eu tivesse olhado para ele ao me visitar ainda pequeno e talvez eu tenha agarrado sua mão bem forte e dado uma mordida para que ele se lembrasse pra sempre. E ficaria aquela cicatriz que era eu. Como a que ele, anos depois, deixou em mim.
Falo de outro Elle.
Esse foi o pioneiro, desbravador inesquecível dos cantos mais remotos do meu coração. Apareceu menino, um prelúdio para o homem que eu pensei que seria. E que talvez ainda acabe se tornando. Apesar de não ser esse homem agora.
Mostrou-me uma coisa que dificilmente se repetiu depois: segurança. Ele me amarrou como numa brincadeira de índios e me protegeu. Prensou-me na parede e disse me compreender de uma forma que nem eu mesmo compreendia.
Eu provei pela primeira vez a fantasia.
E fui vítima da imaginação.
Vivemos anos laçando desejos e os realizando na ponta da caneta mágica. Eu ria da realidade com um desdém macabro e altamente contagioso. Virei uma lagarta num casulo que não evoluía.
Será que ele mesmo sabia?
Será que ele sabia de todo esse universo paralelo? Porque, às vezes, ele parecia cruzar a linha junto comigo para ser um observador mais que curioso da realidade fantástica da minha cabeça.
Quando, porém, ele percebeu estar comprometido demais com essa (des)ilusão, ele partiu. Partiu porque tudo aquilo era uma ameaça. Partiu de tudo. Deu adeus, inclusive, a si mesmo. Deixou sua tribo arrancar seus olhos e partiu. Estava decidido.
E não se tornou aquele ser humano incrível que prometia tanto ser.
Foi ser ovelha burra.
Eu escrevi uma carta e entreguei a ele anos atrás.
“Não te olharei mais. Não te cumprimentarei mais. Porque me lembrar de você dói. Porque cheirar você dói. Porque rir de novo dói. Portanto, quero que vá mesmo. Eu estou escolhendo isso. Eu te deixei ir. Saiba que, se eu ainda quisesse, você seria meu”.
Mas ele nunca leu. Como leria se já estava cego?
O reino encantando se desfez há muito tempo, como um castelo de areia levado pelo mar. Não estou mais na flora toda. Eu nunca mais tive tudo.

quinta-feira, 21 de março de 2013

O poema que Ella me contou [1]


Eu fui até ele.
Abri os braços e, simplesmente, me rendi.
Disse:


“Estou muito grata por você ter entrado em minha vida. Num dia épico, divisor de águas. Ter sido a cadeira ocupada mais distante de mim. E por não ter dado liberdade de aproximação logo de início. E por me fazer acreditar que você não era uma pessoa agradável, tolerante, que passasse longe de ser especial. Tudo para que eu pudesse desmistificá-lo depois.
Grata por você nunca abrir a boca pra puxar conversa, por jogar esse jogo da curiosidade comigo e por se desdobrar em sorrisos inexplicavelmente cativantes e imprevisíveis a manhã toda.
Obrigada por não ter feito diferença nenhuma no começo.
E ter sido essencial nesse final.
Sabia que eu vivo descontente com a humanidade? Perdendo e recuperando minha fé como se estivesse experimentando roupas...
E sabia que você me fez acreditar um pouquinho mais nas pessoas? Só por ser a exceção da regra. Eu adoro as pessoas que são a exceção da regra. Parece que você vai caminhando e ensinando, sem compromisso algum, a sermos pessoas melhores.
Obrigada por me deixar compreender um pouquinho de sua história.
Obrigada pelo cheiro, pelos bombons, indicações de filmes, risadas, goles de cerveja, de vodka, pelos momentos inexplicáveis, pelas minhas dúvidas sobre você e pelas minhas certezas sobre você,
Por ser diferente, por ser único, pela animação, pela despreocupação, por ser algo que nem sei dizer, por me fazer perder o fôlego, o tempo, por me fazer morrer te esperando, me distrair, me fazer ser boba com as palavras e me perder ao escrever e não sei mais o que dizer.
Grata por você nunca ter feito nada e, pela primeira vez, eu ter entendido que me apaixonei por alguém que não fez nada, que não é inventado, que simplesmente foi tudo aquilo que é.
Por me fazer perceber que ainda há amor em mim.
Eu vou sentir tanto a sua falta. Sem lágrimas. Vai ser um sentimento bom, assim, pra sempre.”


Afastei-me daquele abraço que, na realidade, foi mudo. Porque eu não conseguiria dizer tudo isso. Vou levar as palavras que eu não disse pra casa e dormir com elas. Talvez amanhã elas amanheçam mortas.
E nos despedimos, sem beijinho no rosto pra não ser tão inconveniente. Ele resmungou alguma coisa como “tchau” e usou um adjetivo nada bonito pra me descrever. Eu ri.
Ele virou a esquina e eu ainda sorria.
Os anos se passaram e eu ainda sorria.
E enquanto escrevo esse poema, estou sorrindo.
Sem dores ou pesadelos.