segunda-feira, 8 de abril de 2013

É tão engraçado,


eu acho que sempre terei esses olhos desfocados de quem viaja no tempo mentalmente. Esse ar de bobo estampado na cara será meu cartão postal até quando eu tiver 80 anos. E o meu pescoço, então? Dolorido para sempre de tanto virar para trás e encarar as lembranças em preto e branco de uma vida que foi tão minha e está tão distante que parece ter sido em outra encarnação.
Talvez eu cheire pra sempre aquele mesmo perfume baratinho ganhado no Natal de 2000 e alguma coisa. E talvez eu tropece e caia nos mesmos degraus, seja o mesmo gordinho, nerd, tímido, feio e precoce de outrora. Aquele gordinho pela primeira vez apaixonado, pela primeira vez provando a sexualidade, devorando Harry Potter e fazendo amigos de uma vida inteira. Em algum lugar, eu serei sempre esse mesmo menino.
Eu terei para sempre esse olhar distante, que você pode confundir com tristeza. E até mesmo será tristeza, uma vez ou outra. Mas não é tristeza permanente. Esse olhar distante é a minha saudade, minha companheira, quase minha esposa, pois ainda não a aceitei como definitiva aliança até o fim dos meus dias. É a minha saudade pulsante, violentamente silenciosa, dilaceradora, enriquecedora. É minha dor. E minha alegria. Minha saudade, formadora, em partes, do que sou. É minha escola, com seu piso vermelho e paredes descascadas. É minha rua de infância, íngreme, vazia, curta. É minha praça cheia de folhas e terra e árvores, meus lanches preferidos, meu pastel da tia Nena, minha bicicleta light, meu pão da vó, minha missa aos domingos...
É minha dor de ter crescido com uma solidão inconsolável no meio de tanta gente. Minha saudade é minha dor de crescimento tão silenciosa. Virando a esquina, passando em frente das casas apenas para ver as pessoas, dando voltas e voltas nas mesmas ruas batendo papo, já começando a viciar em seriados, e já tendo problemas com as palavras.
Em algum lugar, eu sempre vou ser aquele mesmo menino que nunca usava chinelo na escola, que ia bem nas provas, que ia a missa todos os domingos, vulnerável, ansioso, apaixonado e sem medo, que adorava música e que queria ser artista. Por mais que eu cresça, veja coisas terríveis e maravilhosas, que um universo inteiro exploda diante de meus olhos e eu seja queimado pelas palavras mais cruéis de qualquer pessoa, em algum lugar, eu sempre vou estar lá, no banco da escola, cantando:
“Me dá sua mão como se fosse a primeira vez. Como se fosse nosso primeiro banho de chuva. Como se a estrada não fizesse nenhuma curva. Liga pra mim e diz que tem saudade da nossa solidão”.
Sou triste assim hoje.
Serei triste assim para sempre.
Mas muito agradecido por tudo.
Saudoso e rico de espírito, incapaz de esquecer, incapaz de saber crescer e deixar o passado para trás e que já não chora,
eu.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Educação


Hoje, paro um instante para propor uma reflexão que escrevo ainda em comunhão com meu Eu Lírico.
Estamos vivendo dias confusos, em que os valores se invertem e se perde a noção de prioridade. Cercados de intolerância e, num paradoxo inusitado, pela indiferença. Somos reféns do medo, da imprudência, traumatizados pela violência, pela falta de orientação.
E eu me obrigo a crer na pedra fundamental para a evolução: a educação.
Com uma boa educação, desde cedo, banhamos a criança na luz e a tiramos dessa vida medíocre de senso comum.
Com pais e professores com boa formação, não apenas de matéria como disciplina, mas com formação empática de mundo, podemos instruir crianças que se tornarão grandes seres humanos, atenciosos com o próximo e com o meio ambiente, tolerantes, abertos ao novo e que não se conformam com o que está errado e prejudica os outros.
Com a educação, podemos evitar tantos males pequenos e, todos juntos, evitamos uma guerra. Com a educação, nós todos vamos nos incomodar no sofá e vamos nos levantar para derrubar os corruptos e os fanáticos. Poderemos até dar as mãos e compreender que vivemos num mundo de todos que existe para todos e, finalmente, deixar de lado as irritantes discussões de classe, gênero, sexualidade, religião...
Poderemos compreender que EU CRISTÃO pode ser melhor amigo do EU ATEU, sem ninguém impor nada a ninguém. Assim como o EU NEGRO e o EU BRANCO. Ou o EU HÉTERO e o EU GAY. EU RICO e EU POBRE.
Evitaremos também as mortes no trânsito.
Um exercício muito bom é visitar uma família carente ou um asilo. Com a educação, seremos gratos por aquilo que temos e corajosos para adquirir o que ainda não temos.
Sem puxar o tapete de ninguém.
Há espaço para todos no planeta.
E essa educação tem que começar cedo, em casa. Se você não tem orientação suficiente, não tenha filhos. Vá se educar e depois pense em educar outro ser humano.
Não é tarefa fácil. Precisa-se de muita humildade.
Mas talvez seja o segredo tão óbvio para a nossa salvação.

terça-feira, 2 de abril de 2013

O poema que Ella me contou [3]


Preciso dedicar esta carta a outro muito especial que esqueci de mencionar anteriormente.
Talvez porque eu esteja esquecendo facilmente das coisas hoje em dia.
Éramos irmãos pássaros. Digo isso porque conhecemos a liberdade juntos. Claro que era apenas um convívio cercado de incertezas e despreocupação, talvez tenha sido uma prévia do que poderíamos conquistar depois. Sem poetizar nada, aquilo era apenas vida.
Eu não o vejo há muito tempo.
Mas é engraçado como as coisas terminam...
Eu o deixei. Ele ficou me esperando debaixo da chuva, no meio da rua, ensopado e desolado. Eu me diverti tanto com ele e sabia que tudo tinha sido apenas isso, logo, jamais pensei que poderia voltar. Eu tinha recebido uma oferta de vida melhor e fui.
Ele me esperou por muito tempo.
Pegou gripe e se curou muitas vezes debaixo daquela chuva.
Não sei por que, mas ele é o único de quem gostaria de ter uma lembrança palpável, um suvenir com seu cheiro.
A madrugada me lembra dele e eu incorporo certo espírito jovem e audacioso todas as vezes que me lembro das nossas escapulidas.
Ele foi meu e eu dele. Naquela brincadeira, não fizemos planos. Quem faz planos nessa idade?
Ele.
Ele fez planos.
Mas eu nunca soube.
Ele nunca me disse.
Ele dizia pouco. Tinha a sensibilidade apurada para me ouvir falar por horas a fio e não me interromper. Virtude que seria extremamente saudável pra mim hoje. Mas isso o impediu de compartilhar comigo o que ele tanto queria.
Isso soa tanto como algo que EU teria feito por outras pessoas...
Teria sido ele um prólogo do que eu me tornaria? Digo, depois de aprender um pouco de decência e empatia para com meus companheiros?
O fato é que eu nunca soube seus sonhos, seus planos, seus desejos. Estava ocupada, curiosa, beijando-lhe o rosto e desejando congelar o tempo.
Então, quando eu parti, ele optou por emudecer completamente. Voltei uma vez, não por ele, mas ele me procurou em silêncio, querendo que eu lesse as entrelinhas entre uma piscada e outra, entre um suspiro e outro. Eu, analfabeta de sentimentos, não percebi nada.
Ah, meu Deus... Tanto que eu tinha que aprender...
Soube de muita coisa depois. Coisas que me enchem os olhos de lágrimas. Coisas que ele falava sobre mim, queria ter comigo, sonhava para nós dois... Coisas que parecem que foram ditas por mim. Sentimentos que parecem muito com os meus. Angústias, infelicidades, o desespero por ter que lidar com a minha distância...
Eu sei que não teria feito diferença se ele tivesse me dito naquela época. Eu era analfabeta, como já disse antes. E insensível. Eu era jovem.
Soube recentemente que ele teve um destino parecido com o meu. E que não andamos muito bem. Se ele lesse as cartas que escrevo pra você, talvez ele também confundisse meus sentimentos como sendo os seus. Éramos tão parecidos. Não consigo não sorrir e não sentir sua falta.