terça-feira, 2 de abril de 2013

O poema que Ella me contou [3]


Preciso dedicar esta carta a outro muito especial que esqueci de mencionar anteriormente.
Talvez porque eu esteja esquecendo facilmente das coisas hoje em dia.
Éramos irmãos pássaros. Digo isso porque conhecemos a liberdade juntos. Claro que era apenas um convívio cercado de incertezas e despreocupação, talvez tenha sido uma prévia do que poderíamos conquistar depois. Sem poetizar nada, aquilo era apenas vida.
Eu não o vejo há muito tempo.
Mas é engraçado como as coisas terminam...
Eu o deixei. Ele ficou me esperando debaixo da chuva, no meio da rua, ensopado e desolado. Eu me diverti tanto com ele e sabia que tudo tinha sido apenas isso, logo, jamais pensei que poderia voltar. Eu tinha recebido uma oferta de vida melhor e fui.
Ele me esperou por muito tempo.
Pegou gripe e se curou muitas vezes debaixo daquela chuva.
Não sei por que, mas ele é o único de quem gostaria de ter uma lembrança palpável, um suvenir com seu cheiro.
A madrugada me lembra dele e eu incorporo certo espírito jovem e audacioso todas as vezes que me lembro das nossas escapulidas.
Ele foi meu e eu dele. Naquela brincadeira, não fizemos planos. Quem faz planos nessa idade?
Ele.
Ele fez planos.
Mas eu nunca soube.
Ele nunca me disse.
Ele dizia pouco. Tinha a sensibilidade apurada para me ouvir falar por horas a fio e não me interromper. Virtude que seria extremamente saudável pra mim hoje. Mas isso o impediu de compartilhar comigo o que ele tanto queria.
Isso soa tanto como algo que EU teria feito por outras pessoas...
Teria sido ele um prólogo do que eu me tornaria? Digo, depois de aprender um pouco de decência e empatia para com meus companheiros?
O fato é que eu nunca soube seus sonhos, seus planos, seus desejos. Estava ocupada, curiosa, beijando-lhe o rosto e desejando congelar o tempo.
Então, quando eu parti, ele optou por emudecer completamente. Voltei uma vez, não por ele, mas ele me procurou em silêncio, querendo que eu lesse as entrelinhas entre uma piscada e outra, entre um suspiro e outro. Eu, analfabeta de sentimentos, não percebi nada.
Ah, meu Deus... Tanto que eu tinha que aprender...
Soube de muita coisa depois. Coisas que me enchem os olhos de lágrimas. Coisas que ele falava sobre mim, queria ter comigo, sonhava para nós dois... Coisas que parecem que foram ditas por mim. Sentimentos que parecem muito com os meus. Angústias, infelicidades, o desespero por ter que lidar com a minha distância...
Eu sei que não teria feito diferença se ele tivesse me dito naquela época. Eu era analfabeta, como já disse antes. E insensível. Eu era jovem.
Soube recentemente que ele teve um destino parecido com o meu. E que não andamos muito bem. Se ele lesse as cartas que escrevo pra você, talvez ele também confundisse meus sentimentos como sendo os seus. Éramos tão parecidos. Não consigo não sorrir e não sentir sua falta.

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