sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Resta

O que eu sinto que sou já não é mais.
Resta esperar.
A carta, a ligação, a chegada, a pousada,
A mão, a face, a música que tem meu nome,
Meu nome não é mais meu nome
Meu corpo nem mais é meu.

Resta esperar a rematrícula.
Resta o resto do prato cheio de comida insossa.
Metade do que sou pesa numa outra balança.
Metade do que fui já não canta nem mais no mesmo tom.

Ao pertencer a mim, passei a não estar com mais ninguém.
Ao sugerir mudanças, comecei a permanecer intacto.
Como uma agulha no furacão,
Sumi feito um sonho de criança.

O eco resumido em desacato,
Todas as autoridades tremem
Diante de meu novo contentamento
Que não mais é por completo,
Mas se resume em poucos movimentos,
Ser. Levar. Aguardar.
Na sobriedade das palavras escapam-se os silêncios,
O último silêncio, porém,
Esse, não!

Esse vem a galope.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Brevemente

Eu te vi brevemente dias atrás.

Vi você e desejei beber um copo de uísque. Depois outro. Depois mais um.
Vi você e desejei não ter corrompido minhas memórias.
Desejei não ter sobrevivido.

Eu vi você e lembrei de seus nomes.
Aline. Cristina. Luan. João. Eric. Mariana.
E tantos outros nomes que já não me recordo mais.

Ainda bem que eu já não tinha mais nada pra dizer.
Bom,
Eu até tinha, mas nada pronto no momento.

Porque eu me sinto vivendo num elevador.
Porque eu sinto que morri.
Sinto que não estou mais aqui.


Sinto que estou bem ao mesmo tempo dentro do elevador.
Depois de todos esses anos que eu deixei você/vocês irem embora.
Onde estão? Que fazem?


Eu vejo um breve lampejo de brevidades que me fazem indagar

Qual a hora certa pra um novo amor?
Existe tempo certo pra ser pra sempre?

Eu perdi amores como quem perde dentes. Reluta, mas perde.
Eu ganhei breves momentos de afeição carnal e breves momentos intensos de pertencimento, mas que me deixaram ao lado do mesmo sombrio cadáver.

Eu sou perfeito em todos os sentidos quando ouço as músicas que tocam no elevador.
E brevemente suavizo o áudio pra poder cantar junto.
Brevemente bebo um copo de uísque.
Tenho medo das cordas se romperem e, se isso acontecer, juro que não farei mais nada que possa magoar meus cabelos negros.

Por favor, me ligue por um breve instante.
As gestalts zombam sem chaves ou fechaduras.

Brevemente me entrego novamente.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Ana.

O carvão queima minha garganta,
que teima em arranhar as tintas dos azulejos.
Não há espelhos, não há rotas segundas.
Somente desejos.
Eles me escapam, como se de mim viessem, mas a mim não pertencessem.
Parece-me que a vida espera mais de mim.

Confesso que não há nada entre o abismo e eu.
Apenas um suspiro instigante como um edifício no meio do mundo.
Parece-me que estou prestes a cometer um desmazelo.
Momentos que pedem mais trabalho, mais tempo do que posso oferecer.
E o amor consome e some.

E fecho-me. De repente.

Repentinamente, o azul se abre.
O céu com arestas celestes.

Mostrando que há um fim. Um que não devo tocar.
Quem é você que desmonta meus finalmentes? Aqueles que eu treinei pra serem só meus?

E esse recomeço no meio do meio?
E nesse vão das coisas que a gente disse...
Que a gente cantou...
Está à nossa espera?
E de sem querer em sem querer começa a fazer parte. Em qual rua?
Encostando eu na tua, você na minha. Nós na nossa. 

Ana vibraria por viver essa meia aventura desconexa e injusta.
É isso aí.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Quando fui chuva

Estive eu, por muito tempo, acostumado a chorar pelas ausências, pelas faltas, pela minha própria incompletude, pela falta de amor (principalmente o próprio), pela indecisão e pela confusão de ser e existir no universo artificial que me foi dado sem minha solicitação. Estive por muito tempo olhando pra trás, pois olhar pra frente e não ver nada era muito dolorido. E olhar pra trás, o eco daquilo que fomos, que costumávamos ser, aquele eco me deixava deprimido. Era a intangibilidade de um sonho de criança reverberando nos meus ossos de adulto. Preferia trancar tudo no meu quarto, repousar minha cabeça no travesseiro e me deixar ir... Pra não precisar lidar com nada que escapasse das minhas mãos.
Ontem eu chorei. Ouvindo a letra que dizia assim: “E mesmo que em ti me perca nunca mais serei aquela que se fez seca vendo a vida passar pela janela”. E eu me senti repleto de chuva, cheio de vazios impreenchíveis, mas aos quais sou grato.
Eu, acostumado a chorar pelas faltas, passei a chorar pelos tantos momentos queridos dos últimos dias. Feliz por dividir a moradia física com a minha melhor amiga e feliz pela casa que é meu coração estar ocupado no momento com um amor novinho em folha e que me faz tão bem, que me abraça tão forte, que olha fundo nos meus olhos e me diz que eu não preciso mais chorar, pois agora temos um ao outro. Um amor novinho em folha que me acalenta e se faz presente no meu mundinho particular. Um amor que me envolve e que me faz querer trancar a tristeza, já moribunda, do lado de fora de casa.
Os tantos cafés que faço por dia. E a companhia para bebê-lo. O cheiro subindo pelo apartamento e as discussões sobre a vida e sobre trabalho. Um pequeno universo de felicidade fragmentada numa distorção da realidade. Não pensei que chegaria aqui.
Pelos tantos domingos com os amigos, num ninho de carinho e respeito, dormindo e rindo. E acontecendo de forma simples e verdadeira. Que surpresa essa minha vida!
Não me entenda mal, não resolvi minhas incompletudes. Há muito ainda que quero fazer e ter, que sonho e almejo. Muita coisa mesmo. E eu já entendi também que eu não vou parar de chorar tão cedo. Eu preciso encher meu baldinho, preciso compor, preciso escrever, preciso que a existência me transpasse com ferocidade para me sentir mais vivo e poder fazer o que amo. Mas não preciso me maltratar nesse processo sensível. Dá pra ser triste e feliz na mesma leva de sentimentos. Porém, talvez, seja a hora de parar de chorar pelas ausências.
O que me aconteceu ontem foi uma abrupta compreensão sobre a minha própria maturidade. Um reconhecimento de que não me encontro mais naquele estado vegetativo de inquietude sentimental. Há mais estabilidade aqui onde estou. Como se eu tivesse parado o fluxo da natureza e emergido do fundo do mar para tomar ar e poder voltar a mergulhar. Nesse pequeno espaço de tempo foi que eu compreendi tudo isso.
Eu passei por um luto familiar e pela perda de muita coisa que eu amava recentemente. Mas não sou produto de uma lição punitiva da vida, não PRECISEI passar por isso pra sentir o que sinto hoje. As coisas se transformaram naturalmente em mim. Eu posso sentir isso. E renovei meu apreço pela família. Uma nova onda de empatia que se instalou em mim e me disse que ficará tudo bem, que eu posso me doar mais sem esperar tanto em troca.
E talvez eu esteja feliz. E não com medo de tudo acabar. Mas feliz. Grato. Genuinamente. E me estranhei nessa nova roupa, não estava habituado. E agora ela ta me caindo tão bem.

Então, parei o carro, liguei pra minha amiga e, chorando, cantei: “Nada do que fui me veste agora, sou toda gota que escorre livre pelo rosto...”.