sábado, 19 de novembro de 2011

Canção do Deserto - final


  Compreensão de tempo e espaço é coisa para além daqui.
         Imundos! Sim, todos imundos naquelas roupas limpas. Ironia, mesmo agora. Imundos, mas nem todos tristes como eu. Em nenhum lugar que estive vi pessoas tristes como eu. Ninguém nunca comungou com o que eu comunguei. Sangue e terror. Não necessariamente nessa ordem. Mas, como eu percebi antes, nada mais importa.
         Parece que um par de olhos felizes piscou para mim. E eu pude ver toda a dor que existia naquela pessoa. Do casamento, dos anos passados, da vida mediana de felicidades e tristezas, dos filhos e suas vidas medianas, até a morte na fé. E eu percebi que para caminhar tanto, só com muita fé.
          Então, eu compreendi claramente.
         Vivemos todos juntos, mas morremos sozinhos. Cada um com sua dor, diferente da minha, menos tristes que eu, mas todos com a sua dor. E com a sua fé. Esse é o nosso denominador comum. É assim que eu me sinto num grupo, encontrando o que há de comum nas pessoas que também existe em mim. Todos caímos, no deserto dos vivos, no deserto dos mortos e depois de tudo, tudo que nos mantém é a fé. Fé de que nossa tristeza se dissipará no ar, como a água que evapora sob esse sol e nos desnutre. Aquele homem que caiu vai entender também, assim como aquele par de olhos felizes que me despertou o entendimento. Uma hora ou outra todos vão. Eu e a minha tristeza vamos desaparecer.
            - Eu preciso ir. – sussurrei pra moça que se apoiava em mim.
            Não sei dizer como ela reagiu porque tudo se desfez rapidamente. Sol, areia, suor, pessoas. E eu posso lembrar-me de tudo agora sem pena de mim mesmo. Assim como eu me lembro de um único abraço acolhedor que ganhei em vida. A mesma sensação de acolhimento eu senti assim que todos sumiram. Eu e minha felicidade diminuta, abraçados, partindo...

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