domingo, 6 de abril de 2014

A face de deus

4:00AM.

Foi quando ele viu a face de deus pela primeira vez na vida. Tudo resplandeceu debaixo da lua, a fumaça subindo em espirais delirantes na pouca área que ocupavam os corpos ansiosos por prazer, compromisso e satisfação carnal. A divindade não lhe dirigiu atenção, nem mesmo quando uma cascata de cereja jorrou da boca do rapaz e pairou no ar. Apenas sorriu. Engaiolou uma das cerejas dentro de sua própria boca e ficou sorrindo, os olhos perspicazes tentando compreender o momento único que se desdobrava naquela fenda de universo.
O rapaz trajava vestes elegantes e, sem perder a compostura, quis se impor. Com sua espada avermelhada, foi à luta. O primeiro golpe acertou em cheio o peito de deus que se abriu em tradições hispânicas e histórias pela metade sobre alguma viagem. Como num clichê de filme, o momento slow motion enfatizou a inevitabilidade da troca de fluídos e códigos corporais que não significam muito no segundo seguinte. Aquilo foi algo inacreditável. Lançados os dados, o jogo começara no Olimpo.

4:30AM

Ainda em contemplação, o rapaz, nas fichas finais, apostou tudo. Pensou ter perdido por um momento, mas virou a mesa na curva final e comemorou com um beijo enérgico que deixou uma tatuagem em forma de crucifixo na boca dos dois. E assim, colado a deus, fervilhou como um enxame irascível de abelhas. Agora e para sempre, queria mais.

5:00AM

Persuadiu a conhecê-lo melhor. Moveu-se voluptuosamente de um lado para o outro tentando evocar algum contorno semelhante em deus. Por fim, ainda apertados num nó constituído de fios de álcool, compraram passagens para visitar O Deleite. Partiram soltos e esquecidos pelo mundo, dispersos em suas próprias conclusões sobre aquele encontro. Se o mundo parou por um segundo qualquer, passou despercebido. O tempo corria muito depressa, antecipando o final dilacerador que incinera os deixados por deus. Até mesmo quando se encontraram debaixo das cobertas, não havia vestígios de futuras visitas. E não se vê deus duas vezes.

6:00AM

Tolamente comprimido em sentimentos e febril, o rapaz abandonou-se deitado como uma estrela. O riso transformava-se em escárnio agora que dependia apenas de si mesmo para tocar a vida. Surrupiou da memória um último relâmpago do sorriso perfeito da face de deus. Foi então que se deu conta. Ele viu a face de deus pela primeira vez na vida. Mal lembrava seu nome. Mas tocou seu rosto, seus lábios. Engatinhou para um turbulento sono juvenil e carente de sentidos. Abraçou aquele resquício de presença divina. Nem todos tem essa sorte.

8:00AM

Dormiu pouco. Não era sonho.
Acordou sorrindo.

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