domingo, 18 de agosto de 2013

Não há ninguém

Eu entro no quarto e um frio terrível percorre minha espinha, fazendo os pelos do meu braço se arrepiarem. Não tem ninguém. Está tudo vazio. Não tem cama ou guarda-roupa, nenhuma cadeira, nem mesmo os livros que ganhei de presente, histórias malucas que tanto pululam na minha imaginação e me fazem querer escrever mais e mais de forma doentia. Nada.
Eu estou com medo. Um medo único, nunca sentido.
E a voz que ecoa na minha cabeça me pergunta se há alguém e eu digo que não. Não tem ninguém.
Exceto por essa presença sombria como uma fumaça pairando sobre a minha cabeça.
Talvez atrás da porta se esconda um menino chorando baixinho maldizendo o nosso lar. Ou nem isso.
A fumaça não está na minha imaginação. É presença real. Ela indica o início das dificuldades e encerra o ciclo. Mas também aparece no início de outro. Há uma nova vida imaculadamente preparada para o meu delírio. E eu sinto que não posso sentar à mesa e desfrutá-la. Não ainda. Não até que eu entenda qual é essa presença macabra que ecoa como o silêncio entre essas quatro paredes cheias de histórias.
Há uma marca no chão. Isso eu posso ver. É uma mancha. Uma mancha vermelha e pegajosa.
Meu nariz está sangrando e eu partindo.
- Tem alguém aí?
Meu pai uma vez me contou uma história de um bandido que entrou em nossa casa e ficou escondido em algum lugar até que todos estivessem dormindo e ele, finalmente, pudesse nos roubar. E ele levou tanta coisa importante. Material e sentimental. E é como se ele tivesse voltado para levar as minhas coisas importantes. Ninguém acordou naquela noite, décadas atrás. Mas agora, eu estou em pé aqui, desafiando-o a sair da penumbra e me encarar de homem pra homem. Precisaria de uma coragem que não tenho, mas preciso defender minha casa.
- Tem alguém aí?
Não há ninguém no meu pensamento. É como o vazio da minha varanda. Tudo é frio quando se pensa em desistir, em voltar atrás. Quando se teme a presença maligna e distante do arrependimento. E eu acho que é isso que me incomoda tanto. Esse é o meu bandido soturno que quer levar o que mais tenho de importante.
Não tem ninguém no meu coração. Eu disse uma vez e repito. A minha necessidade de me amar vem de um lugar distante, como as histórias dos livros. Vem do passado. Vem da minha própria história errante. Nem mesmo a luz da cidade entra pela janela, pois ela me respeita acima de tudo e sabe que nada deve permanecer no meu quarto até que amanheça e eu esteja pronto para caminhar novamente. E eu choro porque a chuva de agora vai lavar as minhas rosas e a tristeza chegará ao fim. Choro na melodia de Ana, enquanto temo tudo que possa servir de luz.
Estou na contradição. Medo do escuro. Medo da claridade.
Mas há alguém aqui.
Eu sinto isso.
Então me viro para chamar alguém, para enfrentar o desconhecido com algum amigo. São escolhas que fazemos. Se você parar para pensar no "porquê" das coisas, você pode assumir muito bem as rédeas do seu destino. E quase saindo do quarto eu reparo. Não é alguém. É apenas um espelho.
Um espelho grande pendurado na porta. Eu o usava para me arrumar para as festas. Ele sobreviveu. Está aqui, brincando com a minha mente. Com a superfície gelada. Eu o toco e posso sentir a superfície gelada assim como minhas mãos e pés. Mesmo no escuro, eu sei que ele me reflete.
Então entendo.
Tem alguém aqui sim. No meu pensamento, no meu coração, no meu quarto, dormindo comigo. E não é bandido. É apenas um rapaz louco, morrendo de vontade de voltar a ficar comigo. Só nós dois.
A cama aparece repentinamente, como se tivesse saído da parede. Não preciso de amigos para enfrentarem o desconhecido comigo. O desconhecido agora é tão conhecido que posso me deitar, me cobrir feliz, cheio de cobertores para espantar o frio e dormir em paz.

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