Pele
Fina e delicada
Dura e escamosa
Irrompe de ti vermelhos vasos
Canais frágeis
De nossa pequinez.
A nudez por baixo dos panos
Por baixo dos poros
A fragilidade que ela expõe
Um pedaço grosseiro de carne
Sem romances ou pausas
Sem lágrimas ou mágoas
Somente carne e canais
vermelhos e frágeis.
Quando vejo tua face em foto
Quando vejo tua face viva
Sinto amor. Sinto rancor. Sinto
muito mais do que consigo nomear.
Ora, quando vejo sua pele por baixo
Quando vejo a fragilidade dos
ossos quebrados
Dos olhos fundos
E se sua respiração indica o
abismo
Não te vejo mais.
Não te sofro mais.
Desconheço-te.
Desconheço pedaços incompletos
e desconexos.
Ouço teu eco, embora não possa
mais senti-la.
Volte a si, sare!
Para que eu possa tê-la de
volta, e não apenas o casulo
Envolto de pele
Que chamamos de corpo.
Mente
Tudo que sou, já fui
Tudo que fui, não é
E o que serei,
Ai de mim, o que seria?
Se não houvesse guardado
Nos recôncavos mais esquecidos
Nas reentrâncias mais pertinentes
Não haveria um eu para me ser.
Meu corpo escorre memória.
Se abres meu corpo, não podes
ver.
Mas se tens a coragem de me
ler
De entrar em meus olhos e
perceber
Verás que tudo que sou, já
fui.
Tudo que fui, não é e o que eu
serei...
Ah, mas, disso nunca se sabe.
Se existe alma, lá estaria?
No labirinto sinuoso da minha
inteligência?
Pois é lá que se descobre o
amor
Lá se descobre quem sou.
Existo lá, porque há um lugar
para me caber.
E se me não me falha a memória,
Já me amei antes, não é?
Minha consciência determina.
Meu ser se ajusta.
Existo, pois sei. Pois
acredito.
Durmo com medo de perder o
domínio
Da faculdade do pensar.
Pois, sem saber que estou
aqui,
Já não existo mais.
Coração
Desabo em mim mesmo, oh graça
de ser quem sou
Choro e rio
Canto e espreguiço
Me contento de sorrir
Me alimento de viver
Me contamino de amar
Mas também
Reluto em aceitar
Aceito desistir
Começo a pensar
Que meu coração só bate as
horas.
Na quina da garganta.
Que só bate os compassos
errados
Na bolota entupida.
Só há sentido em ser se há
sentimento vindo.
Sentimento passando.
Sentimento correndo.
Meu olhar, porta dos meus
segredos da consciência
Meu crânio, obra da evolução,
caixa de segredos e protetora
Meu olhar... ah, meu olhar.
Ele me entrega quando te vê.
Tudo em mim se dilata.
O mundo todo se dilata.
E eu só quero sentir, sem nada
mais ver.
E tudo explodir, sem nada mais
querer.
Mas o coração
Músculo indiscreto e
presunçoso
Oras, quem mandou me trair?
Ou foi minha mente? Ou não há
explicação?
Alma
Se puderes, me toque aqui.
Se puderes, me ame aqui.
Pois há um eu incorpóreo que
percorre o éter
E que se vê num palco
Se vê num lance de escadas
Se vê num parapeito, pronto a
pular sem proteção.
E grita loucamente pra ser
amado e tocado aqui.
Há algo que independe de mim.
Há algo que sobrevive sem meu querer.
E que reluta e que compõe.
E que escreve.
Que me resume bem.
Não em palavras.
Mas em cores,
Talvez acordes,
Certeza que tem risadas e lágrimas.
Há um eu incorpóreo que
independe de mim e paira suavemente pelo éter.
E que sou eu no mais puro
estado.
Veja no espelho, de olhos
fechados,
Ouça no travesseiro o seu eu
de boca muda.
Ouça no silêncio o que ele
diz.
E, sim, saberás sobre teu eu
incorpóreo que independe de ti e paira suavemente pelo éter.
Eu, vagabundo que sou,
Sei bem pouco. Sei só que
Mente, coração e pele.
Preciso deles para domá-lo.
E, não, simplesmente,
Sumir.
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