Pois será
assim, então.
Com um
último sonho, um tão real que posso sentir até agora o aroma adocicado dos teus
cabelos, com esse último sonho, eu me despeço.
Chega. Chega
de esgueirar-se sorrateiro assim pra dentro da minha memória depois de tanto
tempo.
E todas as
coisas não ditas, todas as coisas que ficaram em suspensão para que eu pudesse
falar quando retornasse no verão seguinte... Todas essas coisas, simplesmente
não serão ouvidas mais por você.
Atingimos um
ponto de injustiça tão crucial aqui e é justamente nessa bifurcação confusa no
meio do meu caminho que escolho me retirar do jogo.
Não faz mais
falta a sua voz se desculpando por qualquer trivialidade. Não ressoa mais sua
respiração próxima ao meu peito quando nos abraçávamos e você parecia querer
dizer o mesmo que eu. E eu podia sentir sua ansiedade trepidando dentro do seu
peito. Como um rufar de tambores temendo que eu me abrisse ali mesmo, na hora
mais imprópria, apenas pra dizer que, se na estrada acontecemos, dali pra
frente seria somente horizonte compartilhado e que, apesar das curvas,
poderíamos percorrer as distâncias lado a lado, sem nos perdemos ou nos
esquecermos no acostamento. Pois fazemos sentido quando configurados dessa
forma. Meu rock’n’roll e sua ciranda. Minha poesia e seu corpo... Minha poesia
que te assusta e te afasta. Sei que você sabe quando lhe dirijo a licença
poética. Nunca foi esse o caso.
Mas não
conseguiria reviver essa infantilidade por muito mais tempo. E, atendendo a
todos os clichês, a distância ajuda. Concluo agora. E, por isso, me revolto
hoje com sua relutância em aparecer com meus velhos projetos, me lembrando de
que existe um ciclo aqui que não está fechado. Por isso que você não vai embora?
Por isso que fica aí encubado esperando o momento certo de me entorpecer? Por
isso tem que aparecer dessa forma tão covarde para que eu, finalmente, possa
falar e você ouvir? Pois, antes não era possível, o que teria te tornado agora
tão propício ao diálogo?
Porém, o navio
partiu. Sem bússola mesmo, que é pra não sofrer por antecedência. Ancorar de
novo na mesma praia não é uma possibilidade tão tentadora assim. Não quero
matar a saudade que pesa como um fardo de concreto. Ela vai ter que se resolver
sozinha.
Então,
somente, pare. Pare de aparecer assim, no meio da tarde mais comum e quente que
houve até agora, dizendo tudo.
Estou vazio
de maneiras pra concluir essa história. O fim, o ponto final, o ritual que me
tirará desse carrossel... Não o encontro. Arrisco-me, agora, ao colocar essas
palavras no papel.
Espere um
pouco...
Reli o que
já escrevi até aqui. Parece que conjugo ainda no presente. “Pois fazemos sentido quando configurados dessa forma.” Engano meu.
Fazíamos sentido. Preciso me
acostumar a te deixar no passado que é seu lugar.
Por isso,
encerraremos assim. O não dito permanecerá constante. O pouco que foi dito,
deixemos pra lá, como se nem nos lembrássemos. A coloratura dos dias, nos
ápices de riso e de dor, e as particularidades tão sutis e singelas que
construímos juntos serão fotos de viagens, arquivadas e escondidas num lugar do
qual não poderão sair e incomodar. As músicas que são nossas e que você não
reconheceria mesmo, bom, elas podem ficar sem ser ouvidas por alguns meses.
Por um
momento, preciso reconhecer que fizestes muito por mim com toda a sinceridade.
Peço mais isso, então, confiando que haverá coerência nessa sua conjuntura.
Não apareça
mais em meu inconsciente. Não me tire nem me prive do meu presente. Quero
viver. Quero morrer de viver bem. Quero muito e não te quero mais.
...
O silêncio
desconfortável novamente. Você nunca diz nada.
...
E, novamente,
eu escrevo apenas para mim mesmo.
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