4:00AM.
Foi quando ele viu a face de deus pela primeira vez na vida.
Tudo resplandeceu debaixo da lua, a fumaça subindo em espirais delirantes na
pouca área que ocupavam os corpos ansiosos por prazer, compromisso e satisfação
carnal. A divindade não lhe dirigiu atenção, nem mesmo quando uma cascata de
cereja jorrou da boca do rapaz e pairou no ar. Apenas sorriu. Engaiolou uma das
cerejas dentro de sua própria boca e ficou sorrindo, os olhos perspicazes
tentando compreender o momento único que se desdobrava naquela fenda de
universo.
O rapaz trajava vestes elegantes e, sem perder a compostura,
quis se impor. Com sua espada avermelhada, foi à luta. O primeiro golpe acertou
em cheio o peito de deus que se abriu em tradições hispânicas e histórias pela
metade sobre alguma viagem. Como num clichê de filme, o momento slow motion
enfatizou a inevitabilidade da troca de fluídos e códigos corporais que não
significam muito no segundo seguinte. Aquilo foi algo inacreditável. Lançados
os dados, o jogo começara no Olimpo.
4:30AM
Ainda em contemplação, o rapaz, nas fichas finais, apostou
tudo. Pensou ter perdido por um momento, mas virou a mesa na curva final e comemorou
com um beijo enérgico que deixou uma tatuagem em forma de crucifixo na boca dos
dois. E assim, colado a deus, fervilhou como um enxame irascível de abelhas. Agora
e para sempre, queria mais.
5:00AM
Persuadiu a conhecê-lo melhor. Moveu-se voluptuosamente de
um lado para o outro tentando evocar algum contorno semelhante em deus. Por
fim, ainda apertados num nó constituído de fios de álcool, compraram passagens
para visitar O Deleite. Partiram soltos e esquecidos pelo mundo, dispersos em
suas próprias conclusões sobre aquele encontro. Se o mundo parou por um segundo
qualquer, passou despercebido. O tempo corria muito depressa, antecipando o final
dilacerador que incinera os deixados por deus. Até mesmo quando se encontraram
debaixo das cobertas, não havia vestígios de futuras visitas. E não se vê deus
duas vezes.
6:00AM
Tolamente comprimido em sentimentos e febril, o rapaz
abandonou-se deitado como uma estrela. O riso transformava-se em escárnio agora
que dependia apenas de si mesmo para tocar a vida. Surrupiou da memória um
último relâmpago do sorriso perfeito da face de deus. Foi então que se deu
conta. Ele viu a face de deus pela primeira vez na vida. Mal lembrava seu nome.
Mas tocou seu rosto, seus lábios. Engatinhou para um turbulento sono juvenil e
carente de sentidos. Abraçou aquele resquício de presença divina. Nem todos tem
essa sorte.
8:00AM
Dormiu pouco. Não era sonho.
Acordou sorrindo.
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