eu acho que sempre terei esses olhos
desfocados de quem viaja no tempo mentalmente. Esse ar de bobo estampado na
cara será meu cartão postal até quando eu tiver 80 anos. E o meu pescoço,
então? Dolorido para sempre de tanto virar para trás e encarar as lembranças em
preto e branco de uma vida que foi tão minha e está tão distante que parece ter
sido em outra encarnação.
Talvez eu cheire pra sempre aquele mesmo
perfume baratinho ganhado no Natal de 2000 e alguma coisa. E talvez eu tropece
e caia nos mesmos degraus, seja o mesmo gordinho, nerd, tímido, feio e precoce
de outrora. Aquele gordinho pela primeira vez apaixonado, pela primeira vez
provando a sexualidade, devorando Harry Potter e fazendo amigos de uma vida
inteira. Em algum lugar, eu serei sempre esse mesmo menino.
Eu terei para sempre esse olhar
distante, que você pode confundir com tristeza. E até mesmo será tristeza, uma
vez ou outra. Mas não é tristeza permanente. Esse olhar distante é a minha
saudade, minha companheira, quase minha esposa, pois ainda não a aceitei como
definitiva aliança até o fim dos meus dias. É a minha saudade pulsante,
violentamente silenciosa, dilaceradora, enriquecedora. É minha dor. E minha
alegria. Minha saudade, formadora, em partes, do que sou. É minha escola, com
seu piso vermelho e paredes descascadas. É minha rua de infância, íngreme,
vazia, curta. É minha praça cheia de folhas e terra e árvores, meus lanches
preferidos, meu pastel da tia Nena, minha bicicleta light, meu pão da vó, minha
missa aos domingos...
É minha dor de ter crescido com uma
solidão inconsolável no meio de tanta gente. Minha saudade é minha dor de
crescimento tão silenciosa. Virando a esquina, passando em frente das casas
apenas para ver as pessoas, dando voltas e voltas nas mesmas ruas batendo papo,
já começando a viciar em seriados, e já tendo problemas com as palavras.
Em algum lugar, eu sempre vou ser aquele
mesmo menino que nunca usava chinelo na escola, que ia bem nas provas, que ia a
missa todos os domingos, vulnerável, ansioso, apaixonado e sem medo, que adorava música e que queria ser artista. Por mais
que eu cresça, veja coisas terríveis e maravilhosas, que um universo inteiro
exploda diante de meus olhos e eu seja queimado pelas palavras mais cruéis de
qualquer pessoa, em algum lugar, eu sempre vou estar lá, no banco da escola,
cantando:
“Me dá sua mão como se fosse a primeira
vez. Como se fosse nosso primeiro banho de chuva. Como se a estrada não fizesse
nenhuma curva. Liga pra mim e diz que tem saudade da nossa solidão”.
Sou triste assim hoje.
Serei triste assim para sempre.
Mas muito agradecido por tudo.
Saudoso e rico de espírito, incapaz de
esquecer, incapaz de saber crescer e deixar o passado para trás e que já não
chora,
eu.