Estive eu, por muito tempo, acostumado a chorar pelas
ausências, pelas faltas, pela minha própria incompletude, pela falta de amor
(principalmente o próprio), pela indecisão e pela confusão de ser e existir no
universo artificial que me foi dado sem minha solicitação. Estive por muito
tempo olhando pra trás, pois olhar pra frente e não ver nada era muito
dolorido. E olhar pra trás, o eco daquilo que fomos, que costumávamos ser,
aquele eco me deixava deprimido. Era a intangibilidade de um sonho de criança
reverberando nos meus ossos de adulto. Preferia trancar tudo no meu quarto,
repousar minha cabeça no travesseiro e me deixar ir... Pra não precisar lidar
com nada que escapasse das minhas mãos.
Ontem eu chorei. Ouvindo a letra que dizia assim: “E mesmo que
em ti me perca nunca mais serei aquela que se fez seca vendo a vida passar pela
janela”. E eu me senti repleto de chuva, cheio de vazios impreenchíveis, mas
aos quais sou grato.
Eu, acostumado a chorar pelas faltas, passei a chorar pelos
tantos momentos queridos dos últimos dias. Feliz por dividir a moradia física
com a minha melhor amiga e feliz pela casa que é meu coração estar ocupado no
momento com um amor novinho em folha e que me faz tão bem, que me abraça tão
forte, que olha fundo nos meus olhos e me diz que eu não preciso mais chorar,
pois agora temos um ao outro. Um amor novinho em folha que me acalenta e se faz
presente no meu mundinho particular. Um amor que me envolve e que me faz querer
trancar a tristeza, já moribunda, do lado de fora de casa.
Os tantos cafés que faço por dia. E a companhia para
bebê-lo. O cheiro subindo pelo apartamento e as discussões sobre a vida e sobre
trabalho. Um pequeno universo de felicidade fragmentada numa distorção da
realidade. Não pensei que chegaria aqui.
Pelos tantos domingos com os amigos, num ninho de carinho e
respeito, dormindo e rindo. E acontecendo de forma simples e verdadeira. Que surpresa
essa minha vida!
Não me entenda mal, não resolvi minhas incompletudes. Há
muito ainda que quero fazer e ter, que sonho e almejo. Muita coisa mesmo. E eu
já entendi também que eu não vou parar de chorar tão cedo. Eu preciso encher
meu baldinho, preciso compor, preciso escrever, preciso que a existência me
transpasse com ferocidade para me sentir mais vivo e poder fazer o que amo. Mas
não preciso me maltratar nesse processo sensível. Dá pra ser triste e feliz na
mesma leva de sentimentos. Porém, talvez, seja a hora de parar de chorar pelas
ausências.
O que me aconteceu ontem foi uma abrupta compreensão sobre a
minha própria maturidade. Um reconhecimento de que não me encontro mais naquele
estado vegetativo de inquietude sentimental. Há mais estabilidade aqui onde
estou. Como se eu tivesse parado o fluxo da natureza e emergido do fundo do mar
para tomar ar e poder voltar a mergulhar. Nesse pequeno espaço de tempo foi que
eu compreendi tudo isso.
Eu passei por um luto familiar e pela perda de muita coisa
que eu amava recentemente. Mas não sou produto de uma lição punitiva da vida,
não PRECISEI passar por isso pra sentir o que sinto hoje. As coisas se
transformaram naturalmente em mim. Eu posso sentir isso. E renovei meu apreço
pela família. Uma nova onda de empatia que se instalou em mim e me disse que
ficará tudo bem, que eu posso me doar mais sem esperar tanto em troca.
E talvez eu esteja feliz. E não com medo de tudo acabar. Mas
feliz. Grato. Genuinamente. E me estranhei nessa nova roupa, não estava
habituado. E agora ela ta me caindo tão bem.
Então, parei o carro, liguei pra minha amiga e, chorando,
cantei: “Nada do que fui me veste agora, sou toda gota que escorre livre pelo
rosto...”.