Eu me sentia plena.
Eu me estendia pela flora, era a natureza. Era a mãe do
planeta.
Eu sentia que poderia ter tudo.
Nós nos conhecíamos desde sempre. Desde berço. Destinados.
Talvez eu tivesse olhado para ele ao me visitar ainda
pequeno e talvez eu tenha agarrado sua mão bem forte e dado uma mordida para
que ele se lembrasse pra sempre. E ficaria aquela cicatriz que era eu. Como a
que ele, anos depois, deixou em mim.
Falo de outro Elle.
Esse foi o pioneiro, desbravador inesquecível dos cantos
mais remotos do meu coração. Apareceu menino, um prelúdio para o homem que eu
pensei que seria. E que talvez ainda acabe se tornando. Apesar de não ser esse
homem agora.
Mostrou-me uma coisa que dificilmente se repetiu depois:
segurança. Ele me amarrou como numa brincadeira de índios e me protegeu.
Prensou-me na parede e disse me compreender de uma forma que nem eu mesmo
compreendia.
Eu provei pela primeira vez a fantasia.
E fui vítima da imaginação.
Vivemos anos laçando desejos e os realizando na ponta da
caneta mágica. Eu ria da realidade com um desdém macabro e altamente
contagioso. Virei uma lagarta num casulo que não evoluía.
Será que ele mesmo sabia?
Será que ele sabia de todo esse universo paralelo?
Porque, às vezes, ele parecia cruzar a linha junto comigo para ser um
observador mais que curioso da realidade fantástica da minha cabeça.
Quando, porém, ele percebeu estar comprometido demais com
essa (des)ilusão, ele partiu. Partiu porque tudo aquilo era uma ameaça. Partiu
de tudo. Deu adeus, inclusive, a si mesmo. Deixou sua tribo arrancar seus olhos
e partiu. Estava decidido.
E não se tornou aquele ser humano incrível que prometia
tanto ser.
Foi ser ovelha burra.
Eu escrevi uma carta e entreguei a ele anos atrás.
“Não te olharei mais. Não te cumprimentarei mais. Porque
me lembrar de você dói. Porque cheirar você dói. Porque rir de novo dói.
Portanto, quero que vá mesmo. Eu estou escolhendo isso. Eu te deixei ir. Saiba
que, se eu ainda quisesse, você seria meu”.
Mas ele nunca leu. Como leria se já estava cego?
O reino encantando se desfez há muito tempo,
como um castelo de areia levado pelo mar. Não estou mais na flora toda. Eu
nunca mais tive tudo.